Ser bem-sucedido, evitar falhas, considerar os erros inaceitáveis, fazer sempre mais e melhor, chegar mais longe, ser o primeiro. Estas são algumas das preocupações do perfecionista, pessoa pouco dada à autoindulgência e à autopiedade, que acaba por ter dificuldade em colocar um travão nas suas exigências para consigo próprio e para com os outros. A linha que separa a saudável busca da excelência do desejo incontrolável de perfeição pode ser ténue. No entanto, é preciso traçá-la e não atravessá-la em direção ao lado negro do perfecionismo.

“Um perfecionista é alguém que coloca um nível de exigência extremamente elevado sobre si mesmo, medindo o seu valor próprio pela capacidade – ou será melhor dizer, pela incapacidade – de atingir o ideal de perfeição que criou”, explica a psicóloga clínica Carla Pacheco. Esta característica costuma estar presente desde muito cedo, na infância ou adolescência. E, de acordo com a psicóloga, “nasce de uma autoestima frágil, que leva a pessoa a sentir que não é suficientemente boa para ser estimada pelos que a rodeiam.”

Como identificar um perfecionista?

As manifestações de perfecionismo podem diferir muito, consoante a personalidade e as circunstâncias de vida de cada pessoa. Mas, segundo Carla Pacheco, há dois grandes traços que se evidenciam: “A necessidade de manter o controlo sobre situações e pessoas, de forma a garantir que tudo corre de acordo com os seus padrões de exigência, o que leva à incapacidade de delegar. Por outro lado, uma grande inflexibilidade, a adoção de posturas muito críticas, relativamente a si mesmo e aos outros, aliada a uma grande dificuldade em gerir a crítica que lhe é dirigida.”

Robert Leahy, professor do departamento de psiquiatria da Weill Cornell Medical College, em Nova Iorque, ex-presidente da Associação de Terapia Comportamental e Cognitiva e autor de mais de uma dezena de livros sobre terapia cognitiva, defende que é importante distinguir dois tipos de perfecionistas: os adaptativos e os não-adaptativos.

Os primeiros são aqueles que vivem de forma saudável o seu perfecionismo. Têm padrões elevados e esforçam-se bastante por alcançá-los, mas também sabem quando parar. Aceitam as suas falhas e sentem-se bem consigo e com a sua vida. O problema são os outros perfecionistas, que se massacram com os erros que cometem, que não são capazes de colocar um ponto final num trabalho, que se enervam sempre que as coisas não lhes correm de feição.

Uma tendência com consequências pesadas

Estes perfecionistas desadaptados andam sempre ‘a correr atrás do prejuízo’ por demorarem demasiado tempo a concretizar cada tarefa. Sentem uma permanente insatisfação com a sua própria prestação. “Aliado ao perfecionismo há sempre um determinado nível de sofrimento”, esclarece a psicóloga Carla Pacheco. “Felizmente, a sociedade começa a encarar cada vez menos o perfecionismo como vantagem e a ter em consideração o seu impacto negativo na vida dos indivíduos.”

Impacto negativo porque, claro, ninguém passa o dia à procura da perfeição que não existe sem que isso se reflita na sua saúde, bem-estar e felicidade. “Encontramos, muito frequentemente, níveis elevados de ansiedade e stresse, depressão e/ou perturbações do comportamento alimentar em pessoas com características perfecionistas. Uma das formas mais comuns desta ansiedade se manifestar é a procrastinação, que leva o indivíduo a adiar sucessivamente as tarefas que necessita efetuar, até ao último momento possível, como forma de evitar lidar com todas as emoções negativas associadas às expectativas que cria sobre o seu desempenho”, explica.

4 formas de ser menos perfecionista

Carla Pacheco defende que, como em todas as situações que causam sofrimento, é essencial que o perfecionista procure ajuda para compreender a causa do problema e desenvolver competências para o ultrapassar. Mas deixa algumas estratégias que podem ajudar a diminuir os níveis de ansiedade relacionada com o desempenho:

1) Definir metas claras

Antes de iniciar uma determinada tarefa, definir claramente quais as condições para que esta seja considerada concluída. Desta forma, impede-se a entrada num ciclo interminável de melhoramentos e atualizações.

2) Desmantelar projetos

Dividir projetos em tarefas mais pequenas e concentrar-se em cada uma individualmente. Assim é possível diminuir o impacto percecionado de cada ação.

3) Observar e questionar juízos de valor

Quando as situações não correm como previsto é importante aprender a questionar o verdadeiro impacto deste resultado na nossa vida e ajustar as reações às consequências reais.

4) Aprender a conviver com a incerteza e o erro

O nível de conforto face à incerteza pode ser alterado e treinado com novas experiências. Para isso, temos de estar dispostos a abrir progressivamente mão do controlo. Podemos fazê-lo de várias formas. Por exemplo, delegando pequenas tarefas, planos de viagem ou de lazer a pessoas de confiança. Também experimentando novas atividades e expondo-nos à hipótese de falharmos durante o processo de aprendizagem. Outra forma é experimentar falhar propositadamente em atividades sem grande impacto.

Um mal dos tempos modernos

Tem sido notório o aumento desta característica de personalidade ao longo dos últimos 30 anos. Thomas Curran, do Departamento de Saúde da Universidade de Bath e Andrew Hill’s, da Universidade de York St John, ambas no Reino Unido, fizeram uma meta-análise para apurar as taxas de perfecionismo dos estudantes universitários nos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, entre 1989 e 2016. Os resultados mostram que os valores estão a aumentar a olhos vistos: aumentaram 10 por cento os perfecionistas auto-orientados, 16 por cento os orientados para os outros e 32 por cento a perceção de perfecionismo socialmente prescrito.

Os autores contextualizam este aumento com a emergência do neoliberalismo e, consequentemente, com a ascensão da meritocracia. A geração dos millennials sabe que só os melhores vão aceder às melhores universidades e empregos e sente-se pressionada para o fazer.

Os autores lembram que, segundo a Organização Mundial da Saúde, a doença mental grave afeta hoje um número recorde de jovens, com taxas cada vez mais elevadas de depressão, ansiedade e ideação suicida. Defendem que o aumento da tendência para o perfecionismo não é um fator de desprezar na interpretação destes dados: sabe-se que há uma relação de causalidade entre o perfecionismo não adaptativo e a psicopatologia.

URO_2020_0080_PT, Nov20