Perder urina quando se tosse, ri ou se levanta um peso é algo que pode ocorrer com as mulheres grávidas, sobretudo durante o último trimestre da gravidez. A incontinência urinária de esforço, designação que se dá à perda involuntária de urina que ocorre na sequência de uma atividade ou esforço físico simples, é muito comum durante a gestação por múltiplos fatores.

“A gravidez é conhecida como sendo um dos ciclos da vida da mulher em que existe um maior risco de perdas de urina”, diz Fátima Sancho, fisioterapeuta especializada na área da saúde da mulher. “Nesta fase as alterações hormonais não têm tanta responsabilidade nas perdas de urina como no período da menopausa. Aqui o que existe é um aumento gradual do peso e pressão não só sobre os órgãos pélvicos (a bexiga é um dos mais afetados), como também sobre os músculos do pavimento pélvico. Estes últimos têm várias e exigentes missões: uma delas é suportar o peso dos órgãos, do bebé, placenta e líquido amniótico, etc.; a outra é manter encerrada a vagina, o ânus e a uretra (por onde sai a urina)”, conclui.

Associação Portuguesa de Fisioterapeutas; Grupo de Interesse de Fisioterapia na Saúde da Mulher

Fruto da pressão abdominal, das alterações hormonais que modificam a resistência dos tecidos, entre outros, dá-se então um enfraquecimento dos músculos do pavimento pélvico, que sustentam a bexiga e a uretra, originando as perdas involuntárias de urina. Estas podem também surgir depois do nascimento do bebé e dever-se ao próprio parto.

“Para além das alterações da gravidez, ainda podemos ter possíveis traumas perineais decorrentes de um parto vaginal que podem impedir o bom funcionamento das estruturas, e muito especialmente, dos músculos do pavimento pélvico”, diz Fátima Sancho.

A atividade física pode ajudar a evitar perdas de urina?

Durante a gravidez muitas mulheres optam por uma mudança dos hábitos sedentários porque sabem das vantagens do exercício físico nesta fase, lembra Fátima Sancho, que concorda com tal prática: “Desde que não existam contraindicações médicas, a atividade física deveria ser encorajada e apoiada pois sabe-se dos efeitos benéficos que induz na saúde e bem-estar da mãe e do feto.”

Às grávidas, tal como à população em geral, são recomendados 150 minutos de atividade física semanais de intensidade moderada. As mulheres devem seguir um plano onde são “incorporados uma variedade de exercícios aeróbicos e treino de resistência”, sendo, no entanto, “importante monitorizar e ajustar a prescrição do exercício de acordo com os sintomas da grávida, desconforto e capacidades”, assinala Fátima Sancho.

Praticar atividade física também contribui para controlar a diabetes gestacional, a hipertensão e para que a mulher não tenha um ganho excessivo de peso que, por si, pode aumentar o risco de incontinência urinária durante a gravidez.

Mas atenção: se está grávida e tem perdas de urina, praticar desporto não resolverá a situação. “Manter-se ativa não é suficiente para evitar as perdas de urina”, alerta Fátima Sancho. “Se existem perdas, a única forma de resolver a situação é ensinar a mulher a usar os seus músculos do pavimento pélvico nas situações que as desencadeiam. É imprescindível que a mulher seja capaz de identificar os músculos do pavimento pélvico, saber como funcionam e treiná-los como a qualquer outro músculo.”

Como fortalecer os músculos do pavimento pélvico

Para ajudar na missão de lidar com as perdas de urina associadas à gravidez, pedimos a Fátima Sancho que recomendasse um conjunto de exercícios para fortalecer este grupo muscular. À partida não há casos em que estes exercícios estejam contraindicados mas é importante que sejam bem executados. “Se os exercícios forem efetuados corretamente não há contraindicação. Daí a necessidade de supervisão numa fase inicial.”

Exercícios de Kegel

O treino dos músculos do pavimento pélvico, geralmente conhecidos por exercícios de Kegel, devem o seu nome a Arnold Kegel, ginecologista norte-americano que, nos anos 1940, identificou a “importância do treino dos músculos no tratamento da incontinência urinária de esforço”.

Neste contexto, uma das missões do fisioterapeuta especializado na área da saúde da mulher é ensinar a mulher a treinar os músculos do pavimento pélvico em várias posições e situações. No entanto, o profissional “não associa o trabalho desses músculos a outro exercício pois vários estudos mostram que o mais eficaz é mesmo treiná-los isoladamente”.

Objetivo: Identificar os músculos do pavimento pélvico

Para saber se a mulher está efetivamente a trabalhar os músculos do pavimento pélvico “a forma mais fiável é através da palpação”, explica Fátima Sancho. No entanto, se se tratar de uma mulher grávida, geralmente o fisioterapeuta não efetua a avaliação por palpação, mas ensina-a a identificar os seus músculos do pavimento pélvico. Como? Siga os passos seguintes:

  • Quando está a urinar e quase a terminar, procure interromper a micção tentando identificar o que teve de fazer para interromper ou diminuir o jato urinário.

É importante acrescentar que a interrupção da micção descrita acima vai ajudar a mulher a perceber se consegue diminuir ou parar a micção, mas “não é aconselhável, nem é um exercício”, alerta Fátima Sancho. “Neste caso, funciona como um teste e serve apenas para ajudar a mulher a perceber melhor o que se pretende.”

Depois desta fase, o fisioterapeuta pode ensiná-la a contrair os músculos do pavimento pélvico através dos seguintes exercícios.

 Objetivo: Ensinar a contrair

  • Sente-se na borda de uma cadeira com as nádegas e as pernas afastadas.
  • Agora imagine que tem uma ervilha congelada entre as pernas (“o ‘congelado’ é só para conseguir imaginar o frio”) e tente apertar essa ervilha sugando-a para dentro. De seguida, imagine que deixa cair a ervilha novamente.

Pense na vagina como se fosse um elevador e que, depois de fechadas as portas e unindo os dois lados, a ervilha pudesse subir e descer pelos vários pisos. Quando sente que consegue levar a ervilha até ao 10.º andar e deixá-la cair de novo até ao piso 0, então vai:

  • Colocar uma mão no pavimento pélvico (o local por onde urina e evacua).
  • Mantendo a mão enquanto pressiona essa zona vai tossir sentindo o movimento do seu pavimento pélvico sobre a mão.
  • De seguida vai apertar a ervilha e mantê-la no 10.º andar enquanto tosse novamente. Verifique se o movimento do seu pavimento pélvico sobre a sua mão foi igual. Se estiver a contrair corretamente, a maior parte das pessoas sente menos movimento / pressão sobre a mão o que, em princípio, significa que está a contrair bem os músculos do pavimento pélvico.

“Depois deste primeiro passo, o seguinte é treinar os músculos do pavimento pélvico em várias posições (sentada, deitada, em pé, de gatas ou de cócoras) e em situações funcionais, (passar de sentada para a posição de pé), progredindo como em qualquer outro músculo-esquelético”, conclui Fátima Sancho.

Durante quanto tempo se devem realizar estes exercícios?

O treino dos músculos do pavimento pélvico exige dedicação. “Hoje sabe-se que na maioria das situações são necessários 4 a 5 meses, duas a três vezes por semana para que as alterações da força, resistência e bom funcionamento dos músculos do pavimento pélvico voltem ao normal”, diz Fátima Sancho, que explica: “O ganho de força, de resistência e também o saber relaxar leva algum tempo a conseguir-se. Como em qualquer outro músculo, o treino é indispensável para que se mantenha saudável e funcional. Significa que temos de o fazer ao longo de toda a nossa vida e, muito especialmente, nas alturas que apresentam maior risco, como se sabe acontecer na gravidez, parto, menopausa e idade de ouro.

Além dos exercícios, que outras medidas são eficazes para prevenir as perdas de urina?

Além dos acima mencionados, há outros fatores que podem diminuir a propensão para as perdas de urina, tais como:

  • Ter uma alimentação saudável que seja dentro do regime habitual de dieta da mulher é importante para que as suas fezes sejam moldadas;
  • Respeitar a vontade de defecar, não adiando a ida à casa de banho. “De cada vez que se adia a defecação as fezes ficam mais duras, obrigando a que se faça força para evacuar, pressionando o pavimento pélvico”;
  • Ingerir 1,5 a 2 litros de água, a menos que haja indicação médica para outra quantidade.

Quem procurar se tiver perdas de urina?

Apesar de algumas mulheres pensarem o contrário, apenas uma perda de urina é já considerada incontinência urinária, pelo que se esse for o caso, deverá alertar o seu médico (obstetra, urologista ou médico de família) ou procurar um fisioterapeuta especializado.

Como explica Fátima Sancho, os fisioterapeutas especializados na área da saúde da mulher colaboram de forma estreita com o obstetra, o urologista ou o médico de família e “têm as competências necessárias para avaliar a mulher no seu todo e efetuar o plano de tratamento mais adequado à situação de cada uma”.

Só as mulheres com incontinência urinária devem ser seguidas por especialistas?

“Uma vez que estamos a falar de gravidez e pós-parto, o ideal era que todas as mulheres tivessem a oportunidade de ser avaliadas por um fisioterapeuta especialista em saúde da mulher para que os objetivos da nossa abordagem estejam adequados à sua condição. Essa avaliação deveria acontecer não só durante a gravidez, mas também após o parto, quer este seja por via vaginal ou uma cesariana”, considera Fátima Sancho.

Quando uma mulher é avaliada por um fisioterapeuta especializado na área da saúde da mulher o objetivo final não é só evitar as perdas de urina, explica: “Uma mulher pode não ter perdas de urina apenas porque não tem atividade física; como também pode não ter perdas de urina, mas ter obstipação o que, a médio e a longo prazo, vai provocar alterações graves no bom funcionamento do pavimento pélvico, assim como no posicionamento dos órgãos pélvicos (bexiga, útero e intestinos).” Após o parto a mulher pode não ter perdas de urina, mas sentir dor durante a relação sexual “porque teve um parto que traumatizou o pavimento pélvico”.

“Assim, por todas estas razões, não consigo resumir o bom funcionamento e saúde de toda a pélvis às perdas de urina”, afirma Fátima Sancho: “Há que olhar para a mulher no seu todo não esquecendo que, para além de si, tem um bebé para cuidar que é o seu foco principal”, razão pela qual os profissionais verificam, da parte das mulheres, “falta de adesão à recuperação que é crucial para o seu bem-estar presente e futuro”, sintetiza a especialista.

Tome nota

Uma vez que qualquer alteração no funcionamento dos músculos do pavimento pélvico provocará impactos diretos no bem-estar e na qualidade de vida da mulher, adiar a procura de ajuda em caso de perda de urina poderá resultar em disfunções urinárias, sexuais e síndromes de dor pélvica crónica no futuro.

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