‘Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje’, recomenda a sabedoria popular. A própria existência do ditado indica que a tendência para adiar tarefas pode afetar qualquer pessoa em dados momentos. Mas quando este comportamento se torna recorrente, estamos perante aquilo que no âmbito da Psicologia se designa de procrastinação.

“A procrastinação tem sido descrita como um estilo de autorregulação emocional que envolve adiar o início e/ou conclusão de uma tarefa e evitar uma intenção e a sua implementação”, explica Daniela Esteves, psicóloga clínica. Um comportamento que “começa a ser um problema sério e grave quando interfere com a autonomia e a capacidade de realização pessoal e/ou profissional”.

Segundo Joseph Ferrari, psicólogo e investigador norte-americano, 20% das pessoas identificam-se como procrastinadores crónicos. Nestes casos, este comportamento interfere em todas as áreas da vida. Noutros, esta “poderá ser uma tendência mais acentuada em algumas áreas como no trabalho, estudos, saúde e relacionamentos interpessoais”, descreve Daniela Esteves. Perceber o impacto negativo da procrastinação ajuda a perceber a necessidade de a combater.

Procrastinação = riscos para a saúde

A procrastinação tem um impacto negativo sobre o desempenho escolar e profissional, dificultando também os relacionamentos. Além disso, “é um estilo comportamental que pode aumentar a vulnerabilidade a doenças graves, como doenças cardiovasculares e hipertensão, e a vários resultados negativos na saúde. Dificultando os exames de rotina e adiando a prática de comportamentos de bem-estar, pode conferir um risco adicional de aumento do stresse e, consequentemente, de mais problemas de saúde. Em alguns casos pode ser fatal – diagnósticos tardios, tratamentos que podem não resultar devido ao avançar da condição e uma morte prematura”, detalha Daniela Esteves.

Esta relação entre procrastinação e saúde é sugerida pelo estudo I’ll look after my health, later: an investigation of procrastination and health, da investigadora Fuschia Sirois. “O caminho direto pelo qual a procrastinação afeta a saúde é o stresse e a sua reatividade psicofisiológica associada, que leva a mudanças na função imunológica que podem afetar adversamente a saúde. A rota indireta envolve o atraso de comportamentos de proteção da saúde (por exemplo, alimentação saudável, exercício físico) e a promoção de comportamentos inadequados e atraso no tratamento (por exemplo, menos check-ups, atraso na realização de consultas necessárias)”, sintetiza a psicóloga clínica.

Torna-se, pois, imperativo, aprender a superar a procrastinação. Um trabalho que começa por identificar, caso a caso, o que a motiva.

Identificar a origem

“A verdadeira procrastinação é uma falha complicada de autorregulação emocional associada a pobres aptidões de gestão de tempo. Mas a incapacidade de gerir as emoções parece ser o alicerce”, argumenta Daniela Esteves. Associados a este alicerce podem estar inúmeros fatores.

“Um deles é a depressão, cujos sintomas incluem desesperança, desamparo e falta de energia que resultam na dificuldade para iniciar ou terminar uma tarefa”. Mas a procrastinação pode, também, ser adquirida no meio familiar. “Ter um pai severo e controlador impede que as crianças desenvolvam a capacidade de se autorregularem, de internalizarem as suas próprias intenções e de aprenderem a agir de acordo com elas. A procrastinação pode até ser uma forma de rebelião, uma das poucas formas disponíveis nessas circunstâncias”, explica a psicóloga clínica.

Segundo Joseph Ferrari, há três tipos básicos de procrastinadores:

  • Caçadores de emoção | Esperam até ao último minuto pela corrida eufórica de fazer a tarefa.
  • Evitadores | Podem evitar o medo do fracasso ou do sucesso, mas em ambos os casos estão muito preocupados com o que os outros pensam deles; preferem que os outros pensem que é por falta de esforço do que de capacidade.
  • Procrastinadores de decisão | Não tomar uma decisão absolve da responsabilidade pelo resultado dos eventos.

A autora Linda Sapadin, no livro “How to Beat Procrastination in the Digital Age: 6 Change Programs for 6 Personality Styles”, identifica 6 estilos de procrastinadores: perfecionista, sonhador, preocupado, dramático, desafiador e o que gosta de agradar.

Como superar a procrastinação

Para superar a procrastinação o mais importante é aprender a regular as emoções. “Na medida em que a pessoa possa lidar com as suas emoções, pode enfrentar a situação e a tarefa que tem entre mãos”, explica Daniela Esteves. Tal pode ser feito de forma adaptada a cada pessoa, começando por identificar o(s) tipo(s) de procrastinação a que se é mais propício. No entanto, há estratégias gerais que podem ser úteis, como as propostas pela American Psychological Association e por Daniela Esteves:

  1. Defina objetivos específicos

Por exemplo, em vez de escrever na sua lista de tarefas “praticar exercício físico duas vezes por semana”, é muito mais eficaz identificar concretamente como o fazer. Para isso, defina objetivos grandes em tarefas mais pequenas como “ir a pé ao supermercado hoje”. Assim terá menos tendência a procrastinar a tarefa.

  1. Comece e pronto

Está demonstrado que progredir em relação aos objetivos melhora o bem-estar. Essa mudança, só por si, servirá de motivação para continuar a progredir. Portanto, perante qualquer tarefa difícil, o melhor é vencer a inércia e começar. Depois, a alteração do estado emocional ajudará a persistir – será cada vez mais fácil.

  1. Identifique o seu propósito

A ciência mostra que focarmo-nos nos nossos valores-base, no que nos move, é uma das melhores formas de melhorar o autocontrolo. Quando estamos a adiar uma ida ao médico, por exemplo, pode ser benéfico pensarmos em como o nosso dia a dia será mais fácil quando tivermos controlado certos sintomas. 

  1. Recompense-se

Estabeleça uma recompensa para si próprio por terminar uma tarefa antes do prazo. Por exemplo, planear um passeio, uma saída, uma atividade de que goste. Assim terá um incentivo extra para deixar de procrastinar.

  1. Baixe as expectativas

O perfecionismo é um dos melhores amigos da procrastinação. Se estiver à espera da perfeição, o mais provável é nunca se sentir preparado para começar ou terminar uma tarefa. Muitas vezes, é preferível pensar “feito é melhor do que perfeito”.

  1. Procure apoio e informação

“Quando temos informação e nos sentimos apoiados, mais facilmente conseguimos lutar contra os cenários negativos que a nossa mente poderá produzir (devido ao medo/ansiedade) e passar para o próximo passo”, explica Daniela Esteves. Tenha isto em mente, por exemplo, se adia a marcação de consultas ou não coloca questões que o preocupam ao médico. Evite isolar-se e ignorar os problemas. Procure, isso sim, o apoio de amigos e familiares e pesquise informação sobre os temas que o preocupam.

 

Tome nota

Se sente que precisa de ajuda para superar a procrastinação, não hesite em procurar ajuda profissional. Por exemplo, a terapia cognitiva comportamental pode ajudar.

 

URO_2020_0080_PT, Nov20