Já está bem estabelecida a relação entre o stress crónico e problemas de saúde diversos, como depressão, doenças cardiovasculares e até obesidade. Aprender a gerir picos de tensão e períodos de maior exigência e desgaste no dia-a-dia é fundamental para evitar a sobrecarga do sistema nervoso e impedir que as consequências nocivas do stress se instalem. A boa notícia é que há cada vez mais estudos a validar técnicas de relaxamento capazes de fazer isso mesmo.

Stress bom, stress mau

Nem todo o stress é mau. Na verdade, a resposta ansiosa parece ter-se desenvolvido como uma forma de adaptação que nos permitiu sobreviver melhor a ambientes hostis. Perante a perceção de uma ameaça, o sistema nervoso reage lançando adrenalina e cortisol no sangue e preparando o corpo para atacar ou fugir. Problema: o estilo de vida atual, acelerado e recheado de estímulos e pressões, ativa constantemente este mecanismo destinado a ser excecional. Fadiga, ansiedade, taquicardia, dores no peito e dificuldade em respirar podem ser alguns dos sintomas de stress crónico. No extremo, este pode degenerar em ataques de pânico e fobias ou manifestar-se sob a forma de ansiedade generalizada, menos intensa mas mais prolongada no tempo e incapacitante.

Efeitos na saúde

A Mayo Clinic elenca alguns benefícios das técnicas de relaxamento:

  • Diminuição da frequência cardíaca
  • Diminuição da tensão arterial
  • Melhoria da digestão
  • Diminuição da atividade das “hormonas do stress” (adrenalina, noradenalina e cortisol)
  • Redução da tensão muscular e dor crónica
  • Redução da fadiga
  • Melhoria da capacidade de concentração
  • Melhoria da qualidade do sono

Como escolher

Não há fórmulas únicas para descontrair. Ainda assim, revisões de estudos têm validado algumas técnicas como eficazes no que toca a diminuir sintomas de ansiedade e até a combater a depressão. O relaxamento muscular progressivo, o treino autógeno, a meditação e o yoga, por exemplo, apresentam resultados consistentes, com efeitos capazes de se fazerem sentir até várias semanas após as intervenções. E num estudo de 2015, publicado na revista de Psicologia Aplicada e Biofeedback, as técnicas respiratórias foram sugeridas como tratamento ideal de primeira linha em casos de ansiedade. Vantagens: a capacidade de influenciar o sistema nervoso autónomo sem os efeitos secundários dos medicamentos.

Para obter o máximo de benefício, a Mayo Clinic sugere combinar estas técnicas com outros métodos de gestão do stress, como o pensamento positivo, o exercício físico, tempo de sono adequado e o apoio da família e amigos. Experimente.

  1. Relaxamento muscular progressivo

    Este método consiste em aprender a contrair e relaxar, de forma consciente e sistemática, os vários grupos musculares. O objetivo é aumentar a perceção das sensações físicas associadas ao relaxamento e à tensão. Com isso ganha-se habilidade para detetar a tensão muscular assim que surge, agindo de forma a evitar que se instale.

    Como se faz
    Reserve 15 minutos, sente-se de forma confortável e feche os olhos. Contraia e relaxe sucessivamente os vários músculos do corpo, dos pés à cabeça ou da cabeça aos pés. Inspire, contraindo um grupo por cinco segundos, e expire soltando-o por 30 segundos. Preste atenção às sensações para apurar a perceção das diferenças. Sequência dos grupos musculares a incluir:

    • Pé esquerdo + barriga da perna esquerda + coxa esquerda;
    • Pé direito + barriga da perna direita + coxa direita;
    • Abdómen + peito + costas e ombros;
    • Braço + antebraço + mão esquerdas;
    • Braço + antebraço + mão direitas;
    • Pescoço+ parte inferior da face+ parte central da face + testa.
  2. Treino autógeno

    Esta técnica de autossugestão, criada pelo psiquiatra alemão Schultz, é muito usada no tratamento de problemas relacionados com o stress. Tem vários níveis de complexidade. No mais básico (sugerido abaixo) recorre-se à repetição de palavras-chave para induzir o relaxamento. Formas mais complexas são utilizadas para ajudar a promover mudanças de atitude ou alcançar outros objetivos.

    Como se faz
    Reserve cinco a dez minutos. Sente-se numa posição confortável, feche os olhos e foque-se na respiração. O simples fato de observar, durante alguns minutos, tem o efeito de abrandar o ritmo cardíaco. Mentalmente, repita algumas frases curtas formuladas de forma positiva, como “Eu estou relaxado” ou “Eu sinto-me em paz”, à medida que descontrai o corpo, parte por parte.

  3. Visualização

    O foco desta estratégia  de relaxamento é a visualização de imagens com grande detalhe. O objetivo é incorporar todos os sentidos- visão, audição, tacto, olfato e sabor – na criação de uma jornada visual a um lugar, ou situação, calma e pacífica, da forma mais vívida possível.

    Como se faz
    Sentado ou deitado de forma confortável, feche os olhos e imagine-se num local agradável e sereno, por exemplo, um bosque. Observe com detalhe o cenário em torno, a vegetação, o solo e o céu. Vá aumentando o nível de detalhe, vendo as diferentes tonalidades das folhas das árvores e a textura dos troncos. Sinta a brisa sobre a pele e a terra sob os pés descalços. Evoque o aroma das flores e os sons dos pássaros. Aprecie o sabor de uma laranja doce acabada de colher. Permaneça o tempo que quiser e regresse, de forma gradual, respirando profundamente e espreguiçando-se.

  4. Respiração coerente

    Os psiquiatras Richard P. Brown e Patricia L. Gerbarg, autores do livro ‘Respire – O Poder Curativo da Respiração’ (Editora Lua de Papel), especializaram-se no estudo de práticas de respiração com efeito sobre a mente. Há uma ligação íntima entre a respiração e as emoções, dizem. A um estado de stress corresponde um padrão respiratório rápido, mas é possível atuar sobre o cérebro interferindo voluntariamente na forma de respirar. A respiração coerente consiste em diminuir o ritmo da respiração até um padrão cinco a seis respirações por minuto, igualando o tempo da inspiração e da expiração, o que induz um estado de calma e clareza mental.

    Como se faz
    Sempre que se sentir perturbado, pare observe como a sua respiração está mais superficial e rápida. Continue a observar e, gradualmente, tente abrandar o seu ritmo. Inspire em seis segundos e expire no mesmo tempo. Se sentir dificuldade, comece por tentar expirar no dobro do tempo em que inspira, imaginando que os pulmões são uma ampulheta e controlando a saída do ar. Continue por alguns minutos. Pratique este padrão respiratório todos os dias, por 10 a 20 minutos, ou sempre que se sentir agitado.

  5. Yoga

    O conjunto de práticas físicas, mentais e espirituais, estabelecido pelo yoga na Índia antiga tem como objetivo atingir um estado de paz interior. Sequências de posturas corporais, exercícios respiratórios e meditação fazem parte da maioria das modalidades atualmente praticadas no Ocidente. Uma revisão de estudos, publicada na revista científica Health Psychology Review, em 2015, confirma que o yoga pode ser usado como terapia complementar no tratamento de sintomas de stress. A título de referência, elencamos duas técnicas úteis para relaxar:

    Yoganidrā, o relaxamento do yoga
    Os textos de yoga referem que o efeito reparador desta técnica é similar ao de uma boa noite de sono. Consiste em ficar deitado, de olhos fechados, durante um período de tempo que pode ir dos 5 aos 25 minutos, descontraído e consciente, ou seja, sem se deixar adormecer. Pode ser mais difícil do que parece. É raro, hoje em dia, estarmos sem fazer nada e sem dormir. Por causa disso, a mente pode resistir. Se surgir inquietação, persista, dispondo-se a permanecer imóvel e descontraído.

    Como se faz
    Deite-se numa superfície confortável. Evite a cama, demasiado associada ao sono. Depois, percorra mentalmente o corpo, dos pés à cabeça, descontraindo parte por parte. Ajuste o corpo, se necessário, e depois permaneça imóvel observando o próprio relaxamento. Se surgirem pensamentos, observe, mas não entretenha nenhum. Termine, espreguiçando-se e respirando profundamente.

  6. Respiração abdominal simples

    Esta forma de respirar pretende resgatar a respiração natural e tranquila de um bebé ou de uma criança. Com o stress a respiração tende a tornar-se mais superficial. O relaxamento do abdómen permite uma maior expansão do tórax, dando aos pulmões espaço para acolher mais oxigénio.

    Como se faz
    Sente-se confortavelmente, mantendo a coluna direita. Respire recolhendo suavemente o abdómen na expiração e deixando-o regressar ao normal na inspiração. Para facilitar a indução do relaxamento, percorra mentalmente 12 pontos do corpo, antes, durante e após o exercício: uretra, genitais, ânus, dedos dos pés, dedos das mãos, diafragma, pescoço, língua, maxilar inferior, lábios, pálpebras e globos oculares. Repita sempre que precisar de relaxar.


Não desista

Lembre-se, como qualquer habilidade estas técnicas de relaxamento requerem prática regular. Podem surgir sintomas de perturbação emocional durante os exercícios. Se isso ocorrer, procure apoio especializado para fazê-los.

Ansiedade e bexiga hiperativa

Aprender técnicas de relaxamento é especialmente útil para quem sofre de bexiga hiperativa pois a ansiedade pode agravar os sintomas da doença. Embaraço, frustração e vergonha são sentimentos comuns a estes doentes e, muitas vezes, o receio de perdas de urina piora os sintomas num círculo vicioso a que não é fácil escapar. Pesquisas recentes têm validado os benefícios da meditação mindfulness nestes casos e as técnicas de controlo da bexiga e exercícios pélvicos incluem formas de gerir a ansiedade causada pela sensação de urgência em urinar. A título de exemplo, sempre que esta sensação aparece, sugere-se fazer uma inspiração profunda, de forma moderada, até que ela diminua, ou então contar de trás para a frente de 9 em 9.


9,6%

Proporção da população portuguesa que toma calmantes diariamente, o que faz de Portugal o maior consumidor de calmantes da UE, dados da OCDE.

16,5%

Percentagem de portugueses que sofre de perturbações de ansiedade, segundo o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental.

48%

Proporção de pessoas com bexiga hiperativa que sofre de ansiedade, segundo um estudo publicado na revista Urology.