A fisioterapia é uma abordagem terapêutica que recorre a agentes físicos – como o calor ou o frio – ou a meios mecânicos – como a terapia manual ou movimentos ativos ou passivos. A sua missão, refere a World Confederation of Physical Therapy, é restaurar o movimento ou a capacidade funcional de estruturas do corpo, como músculos ou ligamentos, quando existem doenças ou lesões. É esse o caso dos problemas associados a disfunções do pavimento pélvico, como pode ser a síndrome de bexiga hiperativa.

De acordo com as recomendações da International Continence Society e da Associação Portuguesa de Urologia, a chamada “abordagem conservadora” deve ser oferecida como tratamento de primeira linha a todos os doentes com bexiga hiperativa. Esta abordagem terapêutica, que não envolve medicação ou cirurgia, inclui a terapia muscular do pavimento pélvico.

“A fisioterapia é cada vez mais recomendada por urologistas, ginecologistas e outras especialidades médicas”, congratula-se a fisioterapeuta Inês Valente, que há 10 anos se dedica profissionalmente às disfunções do pavimento pélvico. Para ficar a conhecer o papel da fisioterapia no tratamento de disfunções do pavimento pélvico, leia a entrevista da fisioterapeuta ao Comece Hoje.

Quais os benefícios da fisioterapia nas disfunções do pavimento pélvico?

“A fisioterapia procura restabelecer o funcionamento normal do pavimento pélvico, reeducando-o no sentido de resolver ou aliviar os sintomas associadas à disfunção. O pavimento pélvico é um conjunto de estruturas musculares, miofasciais, ligamentares e neurais, que constituem o ‘chão’ da nossa pélvis. Essas estruturas têm a função de suportar os órgãos pélvicos – bexiga, útero e intestinos no caso da mulher, bexiga e intestinos no caso do homem. Permitem, também, a continência urinária e fecal, a micção, a defecação e a satisfação sexual. Qualquer alteração no normal funcionamento do pavimento pélvico pode comprometer uma ou, até, todas essas funções.”

Em que disfunções do pavimento pélvico é mais eficaz?

“As disfunções com maior potencial de melhoria são as que resultam de um défice da performance do pavimento pélvico, sem compromisso da integridade das suas estruturas. Pode ser o caso de uma bexiga hiperativa, de uma incontinência urinária ou de uma retenção urinária. Incluem-se também a alteração da performance sexual, a dor sexual ou pélvica, o prolapso dos órgãos pélvicos e disfunções da defecação, como a obstipação ou a incontinência fecal.”

Que fragilidades físicas são mais comuns nestes casos?

“As fragilidades variam consoante a disfunção e a estrutura afetada. Podem ser, entre outras, fraqueza muscular, contratura, encurtamento muscular ou aderências, como encontramos frequentemente no pós-parto quando há cicatriz. Também associada à gravidez e ao parto, pode haver alteração no tempo de resposta da contração muscular e da resistência muscular. Associado a alterações hormonais (como a menopausa) ou a radiação (radioterapia), pode haver grandes alterações de elasticidade do pavimento pélvico. Também são frequentes alterações da coordenação muscular e da capacidade de relaxamento, por exemplo em pessoas com disfunções de defecação.”

 

É essencial que o treino do pavimento pélvico seja integrado nas atividades diárias e funcionais do doente.

 

Que técnicas são mais usadas para tratar o pavimento pélvico?

“Segundo as recomendações, a primeira linha de abordagem passa por técnicas manuais e proprioceptivas, para a perceção correta e eficaz do normal funcionamento e utilização dos músculos do pavimento pélvico. Passa também pela reeducação postural e diafragmática e por exercícios de alongamento e fortalecimento muscular funcional. Como auxílio, quando necessário, podem ser usados o biofeedback e a eletroestimulação [utilização de uma sonda para ajudar o doente no treino dos seus músculos]. É essencial que o treino do pavimento pélvico seja integrado nas atividades diárias e funcionais do doente.”

E no caso de síndrome de bexiga hiperativa ou incontinência urinária?

“No caso de uma bexiga hiperativa, estamos perante um problema na atividade reflexa da bexiga. A bexiga está hipersensível e, como tal, dá sinal de vontade de urinar com muita frequência, mesmo com pouca quantidade de urina. A fisioterapia vai restabeler a capacidade de contração inibitória de micção dos músculos do pavimento pélvico. Tal pode permitir que, voluntariamente, a pessoa consiga inibir e adiar essas vontades de urinar muito frequentes, reeducando a sua bexiga para um padrão miccional normal. No caso de incontinência urinária de esforço, há um défice na capacidade de continência de urina ao nível da uretra, quando a bexiga é sujeita a aumentos de pressão. Por exemplo, quando a pessoa tosse, espirra, corre ou pega em pesos, entre outras situações. A abordagem passa por restabelecer o normal encerramento da uretra durante as atividades de aumento de pressão abdominal em que o doente tem a perda de urina.”

A fisioterapia também está indicada na prevenção?

“Sim, em situações em que há uma maior exigência para o pavimento pélvico e que podem vir a danificá-lo. É o caso da gravidez e do parto, da obesidade, de atletas de alta competição e de desportos de alto impacto. Também quando há intervenções cirúrgicas pélvicas, como uma histerectomia [remoção do útero] ou prostatectomia [extração total ou parcial da próstata], bem como no caso de algumas cirurgias abdominais.”

É frequente ser indicada para tratar disfunções do pavimento pélvico?

“A fisioterapia é uma abordagem não invasiva eficaz no tratamento destas disfunções. É cada vez mais recomendada por urologistas, ginecologistas e outras especialidades médicas, como coloproctologistas [médicos especialistas em doenças do cólon, reto e ânus] e cirurgiões. As recomendações indicam que deve ser um dos primeiros métodos considerados, mas ainda estamos a evoluir para uma situação ideal.”

Como se gere a carga emocional associada a este tipo de doenças?

“São disfunções que têm um grande impacto na qualidade de vida das pessoas e grandes implicações na sua vida social. O fisioterapeuta dá as estratégias e ferramentas para o doente lidar e resolver as suas queixas, o que exige que transmita muita confiança e segurança. Vemos sempre o doente como um todo, numa visão bio-psico-social, o que leva a que nos encare como um elemento essencial na sua recuperação.”


10 mil

Número de fisioterapeutas em atividade em Portugal, segundo estimativas da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas

 

URO_2019_0014_PT, AGO19