A Medicina Física e de Reabilitação (MFR) ou Fisiatria surgiu na década de 1930, mas foi após a Segunda Guerra Mundial que a especialidade ganhou destaque. Devido ao grande número de combatentes que regressaram a casa com lesões físicas e neurológicas graves, nesta altura foi oficializada em muitos países. A MFR moderna ocupa-se de uma panóplia de patologias ou situações. Tal como a define a Sociedade Portuguesa de Medicina Física e Reabilitação, a reabilitação é “um processo dinâmico pelo qual o indivíduo que sofreu incapacidade adquire o conhecimento e as competências técnicas necessárias para uma função física, psicológica e social otimizada.” Em entrevista ao Comece Hoje, a médica fisiatra Isabel Pereira explica quais as situações em que o médico fisiatra atua e que armas tem ao seu dispor.

Como podemos definir a especialidade médica de fisiatria?

“A definição não é tão sucinta como se gostaria. É uma medicina do movimento e da qualidade de vida cujo objetivo principal é reabilitar o doente, em áreas muito variadas. Intervém em todas as patologias ou eventos que impliquem alguma perda de capacidade funcional, que limitem a integração familiar, social e profissional. A palavra-chave é recuperar da incapacidade ou otimizar as capacidades, dentro da incapacidade crónica que existe.”

Em fisiatria fala-se muitas vezes no diagnóstico funcional. O que é isto exatamente?

“Sendo o objetivo da MFR reduzir a dependência e melhorar a funcionalidade, o diagnóstico preocupa-se menos com a doença e mais com a solução, olhando o doente como um todo. Imaginemos uma pessoa já idosa e com défices instalados dos quais não vai recuperar. Anda de canadianas, mas pela falta de força, anda com os joelhos a juntarem-se muito um ao outro e tem uma ferida num pé. Neste caso, o mais importante pode ser prescrever produtos de apoio que previnam mais lesões, como úlceras de pressão, e indicar uma cadeira de rodas adequada.”

A MFR ocupa-se sempre de incapacidades. Mas elas podem ser grandes, como uma amputação, ou pequenas, como um torcicolo ou uma perna partida.

“Precisamente. No caso dos grandes incapacitados, as causas são muito variadas e podem ir das sequelas de um AVC (acidente vascular cerebral) a um acidente de viação. Mas são sempre pessoas que perderam uma parte significativa das suas funções, ficaram com uma limitação grave. O objetivo é recuperar o que é possível e, quando se atinge o limite máximo de recuperação, ensinar a pessoa e a família a utilizar a funcionalidade que existe da melhor forma possível.”

É uma intervenção que, muitas vezes, vai além do doente e da família?

“Sim, nos centros de reabilitação, como o de Alcoitão, por exemplo, às vezes contactamos a empresa onde o doente trabalha, para ajudar a adaptar o local de trabalho à nova condição. Ou podemos contactar os serviços municipais para ajudar a encontrar uma casa acessível. É um trabalho feito em várias frentes, com o objetivo de criar integração familiar e social, quando isso é possível.”

E nas pequenas incapacidades, que são a maioria, associadas a doenças músculo-esqueléticas, como atuam?

“As doenças inflamatórias agudas, como as tendinites ou lombalgias, e as recuperações após fratura são uma parte importante do nosso trabalho. Quando há um processo inflamatório ou uma fratura, além da eventual cirurgia e da medicação, é importante intervir na área da reabilitação. Por exemplo, uma perna que foi operada, depois de tirar o gesso, tem menos músculo e pode ter articulações que perderam a capacidade de mobilização. Trabalhar a recuperação da função nestes casos, depois de um processo agudo, é uma competência da medicina de reabilitação.”

É importante o controlo da dor, seja nas grandes ou pequenas incapacidades?

“Muito importante. Além da medicação, temos uma panóplia de recursos próprios como as correntes elétricas, as onda-curtas, os ultrassons, o laser médico e, um pouco mais invasiva, a mesoterapia. Temos de diminuir a dor para iniciar o processo de fortalecimento muscular, feito pelos técnicos, nomeadamente os fisioterapeutas.”

Ainda é frequente que se confunda o fisiatra e o fisioterapeuta?

“É uma confusão frequente e, em certa medida, compreensível. A pessoa vai ao fisiatra que prescreve um plano de recuperação, mas depois é o técnico que lhe mexe e faz as sessões. O fisiatra, enquanto médico, vê o doente como um todo e age como coordenador de uma equipa da tratamento, fazendo um prognóstico e um plano de recuperação que é implementado pelos técnicos que têm competências específicas, como os fisioterapeutas, os terapeutas ocupacionais, os terapeutas da fala e os técnicos de eletrotroterapia, entre outros. Mas é o fisiatra que avalia o que pode ou não ser feito, até porque num processo de reabilitação é preciso olhar a outras questões: um doente que está a fazer uma reabilitação músculo-esquelética pode ter, simultaneamente, uma doença cardíaca, o que quer dizer que o tipo de exercício e de esforço que pode fazer tem de ser cuidadosamente pensado.”

Como pode o fisiatra intervir em disfunções urológicas?

“Na área das disfunções urológicas e das disfunções do pavimento pélvico, a fisiatria trabalha em parceria com a ginecologia, urologia e outras especialidades que orientam os doentes para a fisiatria. A reabilitação nesta área é muito focada na parte muscular do pavimento pélvico. Passa primeiro pelo ensino do controlo voluntário desses músculos, depois pela melhoria da força e tonicidade muscular trabalhadas com um fisioterapeuta.”

Além dos exercícios, que outras armas existem nesta área?

“Além das técnicas manuais, aplicadas pelos fisioterapeutas, há a estimulação elétrica e o biofeedback. Em geral utilizamos sondas intracavitárias – que são colocadas no ânus ou na vagina – ligadas a um computador que tem um software que faz uma deteção dos músculos que estão a ver contraídos. Olhando para o ecrã, a pessoa percebe se está ou não a fazer uma contração correta. Outra arma é a estimulação elétrica. Também através de uma sonda, é aplicada uma pequena corrente elétrica que estimula o músculo, tal como se fosse utilizado pela pessoa. Podemos, com diferentes frequências, orientar o tratamento para tipos de fibras diferentes, trabalhando mais o tempo ou força de contração, dependendo do problema específico do paciente.”

Estas técnicas podem ser usadas nos casos de bexiga hiperativa?

“Sim. No fundo, a bexiga hiperativa é aquela que tem uma contração do músculo detrusor mais precoce e mais frequente do que seria suposto. Não precisa de haver um volume tão grande de urina para se desencadear o reflexo de contração do músculo. Além da medicação, podemos utilizar estas técnicas de estimulação elétrica porque há frequências específicas para reduzir a hiperatividade.”

 

URO/2017/0035/PTdd, Nov18